No dia 14 de outubro de 1972, o ministro do Interior Gonçalves Rapazote emitiu um comunicado sobre o assassinato de Ribeiro Santos. Aí se afirmava textualmente que [um dos agentes da PIDE/DGS] “conseguiu retirar a pistola da cintura e fazer três tiros com o propósito de intimidar os seus agressores e em condições de não poder alvejar qualquer deles." Nesta versão daquele ministro, foi assim que o pide Gomes da Rocha alvejou e assassinou Ribeiro Santos…
Embora, diga-se em boa verdade, o diretor de serviços da PIDE/DGS, Pereira de Carvalho afirmasse, com data do próprio dia 12, que aquele agente disparou dois ou três tiros para a sua retaguarda. Ou seja, nesta versão, ainda mais rocambolesca, o pide disparou três tiros para a sua retaguarda, atingindo Ribeiro Santos de costas!
Mas as versões pidescas dos tiros foram também enriquecidas pela descrição que o próprio assassino fez, com data de 12 de outubro: “consegui, já curvado, ainda com os braços manietados, apoderar-me da arma que me está distribuída colocada junto à barriga, na cintura, e num esforço quase sobre-humano, introduzir uma bala na câmara e fazer alguns disparos para o chão".
Continuando a “disparar para o chão”, o pide só admite ter Ribeiro Santos na mira dos seus tiros no dia 22 de outubro (Relatório da reconstituição das ocorrências dadas no dia 12-10-1972 no ISCEF, 22-10-1972), quando refere que “[Ribeiro Santos] “se encontrava no anfiteatro do Instituto incitando os seus camaradas deste estabelecimento de ensino à agressão aos referidos agentes”. E acrescenta: [Ribeiro Santos] “teria verificado o facto de o agente estar já de posse da arma e estaria a rodar para a esquerda para poder avisar disso os restantes alunos.”
Ou seja, o dito agente agora já identificara Ribeiro Santos e, mais um milagre pidesco, descobriu que continuava “manietado por trás” por José Lamego – que só o agarra após o tiro mortal contra Ribeiro Santos – e ainda “agredido por outro de lado” e, tentando “com dificuldade meter um cartucho na câmara”, fez “um disparo acidental que foi atingir o aluno Ribeiro Santos na região lombar”.
Nesta nova versão, aparece um “disparo acidental” nunca antes referido, apesar dos tiros para a sua retaguarda e dos disparos para o chão – recordando-se que tudo aconteceu “em condições de não poder alvejar qualquer deles"!
Mas, acrescenta o processo organizado pela PIDE/DGS: “num momento de sorte, o agente Gomes da Rocha conseguiu empunhar a sua arma de defesa e impor-se àquela multidão descontrolada e indomável”
Esta sucessão de aldrabices evidencia a farsa organizada para encobrir o assassinato de Ribeiro Santos pelo pide Gomes da Rocha.
E mais: quando “alguém gritou então que o agente não teria mais cartuxos”, este “ripostou disparando ainda outra vez para o solo mantendo em respeito os agressores e cobrindo assim a sua retirada.”
O que é certo é que todas estas mentiras, elas próprias atabalhoadamente desmentidas umas às outras, acabaram por ser integralmente recebidas e validadas no tribunal militar que era suposto julgar o pide que assassinou Ribeiro Santos pelas costas e não, como aconteceu, arquivar esse “processo”, invocando alegada “legítima defesa”.