Auto de corpo de delito

Data

Em 18 de outubro de 1972, a Polícia Judiciária remeteu à Direção-Geral de Segurança uma "Ocorrência" respeitante à morte de José António Leitão Ribeiro Santos, o relatório da respetiva autópsia e uma embalagem com um projéctil encontrado no seu cadáver.

Com a mesma data, Silva Pais, diretor-geral de Segurança, determina que seja levantado um auto de corpo de delito, nomeando como seu instrutor o inspetor-adjunto da DGS Alberto Henriques de Matos Rodrigues.

O relatório da autópsia descreve um orifício de entrada nas costas-região lombar, de uma única bala que atravessou a base do tórax, com trajetória horizontal. A causa de morte foi o tiro e a hemorragia interna causada pela bala. Os peritos consideraram que não era possível determinar a distância a que foi feito o disparo. Também excluíram presença de álcool no sangue.

Recebido o relatório da autópsia efetuado no Instituto de Medicina Legal pelos peritos Mário Arsénio Nunes e Francisco António de Aguiar, o processo arrancou com uma "Informação" assinada pelo diretor de serviços da PIDE/DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, que apresenta a data de 12 de outubro de 1972 e cujo teor constituirá um verdadeiro guião da polícia política para tentar escamotear o crime cometido.

Na esteira dessa informação, e com a mesma data, seguem-se idênticos depoimentos dos pides enviados ao ISCEF, João Batista Cabral da Costa e António Joaquim Gomes da Rocha.

Ainda com data de 12 de outubro, e apresentando como "causas do acidente Manutenção da Ordem Pública", são juntos ao processo os diagnósticos da ida daqueles dois agentes da PIDE/DGS ao Banco do Hospital de São José, onde se queixaram de contusões várias.

No dia 20 de outubro, o agente que assassinou Ribeiro Santos fez entrega da arma do crime, que será remetida, na mesma data, ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Ainda a 20 de outubro, o instrutor do auto de corpo de delito, Matos Henriques, solicitou ao Instituto de Medicina Legal a realização de "exames de sanidade" aos dois agentes envolvidos.

Seguidamente, embora com data de 18 de outubro, a PSP de Lisboa remeteu à PIDE/DGS um auto de declarações de Júlio Pêgo, com data da véspera, sobre a condução ao hospital do ferido "Rebelo dos Reis" (nome incompleto de José Alberto Rebelo dos Reis Lamego).

A 21 de outubro, a PIDE/DGS solicitou ao Hospital de Santa Maria a entrega das "peças de vestuário" de Ribeiro Santos.

Entretanto, a políca politica demonstrava dificuldade em citar vários estudantes que pretendia ouvir em declarações.

No mesmo dia 21 de outubro, os agentes da PIDE/DGS Cabral da Costa e Gomes da Rocha, bem como o inspetor Dias de Melo são ouvidos em declarações.

No dia seguinte, os autos referem, a fls. 52, a "reconstituição dos acontecimentos que originaram este processo", ordenada pelo insp. Matos Rodrigues:

Registe-se que nessa "reconstituição" aparecem indicadas como "testemunhas" o Diretor do ISCEF, o Secretário-chefe da secção administrativa do ISCEF, um primeiro-oficial da secretaeia do ISCEF e ... o "bufo" do PSP, Victor Lopes Manuel - o respetivo relatório será junto aos autos a fls. 116 (ver "Reconstituição" pela PIDE/DGS) - nessa data, a PIDE/DGS verifica que em relação à pretendida presença de José Lamego na dita "reconstituição", "não foi isso possível" por no Hospital Prisão São João de Deus em Caxias "terem exercido sérias restrições à sua saída em virtude do seu estado de internado".

Seguramente por dificuldades de comunicação, só a 22 de outubro é junto o relatório da PSP de 13 de outubro sobre o "incidente ocorrido ontem" no ISCEF:

O Posto Policial do Hospital de Santa Maria informa terem dado entrada naquele hospital "dois indivíduos feridos a tiro", transportados em automóveis privados, gujos condutores não tinham sido identificados:

  • - Um dos feridos, Ribeiro Santos, "já possuía cadastro por, em tempos, ter sido preso pela Polícia" [refere-se à PSP] e "faleceu às 20.00 horas";
  • O outro ferido chama-se José Alberto Rebelo dos Reis" ["Lamego" acrescentado a lápis] e "foi transferido para o Hospital de S. José, onde ficou internado na situação de prisão suuperiormente determinada";
  • "Segundo consta", "os dois agentes da D.G.S. devido às agressões de que foram vítimas, também receberam tratamento clínico no Hospital de S. José, regressando depois ao seu destino."

Mais regista o mesmo relatório que, às 05.20 da manhã, o Provedor do Hospital de Santa Maria comunicou à PSP que "um grupo de 20 a 30 estudantes andava a fazer inscrições "PIDE MATA ESTUDANTE" nas paredes dos corredores daquele Hospital" - a força de polícia enviada "não chegou a intervir, visto já não ter contactado coms os estudantes em referência."

A PSP envia à PIDE/DGS cópia da participação do guarda Vitor Lopes Manuel, datada de 13 de outubro de 1972 e de uma informação, com a mesma data, do comandante da PSP de Lisboa, coronel de Infantaria Pedro de Barcelos:

  • O referido guarda conta, à sua maneira, como foi apanhado enquanto  espiava, como se declarou agente da PIDE/DGS sem o ser e como fugiu;
  • O comandante da PSP de Lisboa, por seu turno, informa que as ordens ao referido guarda datavam do "princípio do ano lectivo", para que, "em traje civil, se misturasse com os estudantes [do ISCEF], habituando-os à sua presença, de forma a poder informar em tempo oportuno este Comando, de quaisquer actividades subversivas que ali se exercessem" e, designadamente, colher panfletos, dar notícia dos dizeres de cartazes e relatar quaisquer outros acontecimentos ou conversas que interessassem ao fim em vista".

Sempre presente, a PIDE/DGS junta ao processo, no dia 23 de outubro, panfletos encontrados no ISCEF e, designadamente, o comunicado da FEML, "em que militava o falecido estudante RIBEIRO SANTOS" e a tarjeta com a sua imagem e os dizeres "Assassinado a tiro pelos criminosos da PIDE".

No mesm dia remete para o Instituto de Medicina Legal, para exame, duas peças de roupa que diz terem pertencido a Ribeiro Santos e, no dia seguinte, solicita ao Hospital de S. José as calças pertencentes a José Lamego e envia essas calças para exame no Instituto de Medicina Legal.

destaques

Direcção-Geral de Segurança
Reorganização da Direção-Geral de Segurança (a PIDE mudou de nome para DGS)
Remodelação governamental
Remodelação do governo de Caetano: entra Cotta Dias para as pastas da Economia e das Finanças, substituindo Dias Rosas.
O "clima de paixão" visto pelo IST
O Conselho Escolar do IST aprovou um documento "para evitar que o "clima de paixão" induzido pelo incidente ocorrido no ISCEF no passado dis 12 possa perturbar brusca e irreversivelmente as condições normais de funcionamento que se estão verificando no IST"