Ordenados 5 inquéritos e processos

Data

A fúria desesperada do regime perante a reação popular ao assassinato de Ribeiro Santos ficou bem patente na repressão que se abateu sobre os protestos que surgiram de muitos lados, levando a dezenas de prisões.
Sendo uma típica ditadura burocratizada, foi também através de papéis e processos que o regime se tentou defender e, ao mesmo tempo, atacar quem se lhe opunha.
Apresentamos aqui, de forma sumária, os processos já identificados:

1. Inquérito sumário
O ministro do Interior referiu ter ordenado um "inquérito sumário aos acontecimentos" - tão sumário que foi de imediato publicado na nota oficiosa de 14 de outubro;

2. Auto de corpo de delito e processo militar
2.1. A PIDE/DGS abriu, em 18-10-1972, um auto de corpo de delito (proc. 364/73) em que figuraram como arguidos os agentes da DGS João Batista Cabral da Costa e António Joaquim Gomes da Rocha;
2.2. Remetido ao General Governador Militar de Lisboa em 13-01-1973, deu lugar ao processo n.º 63/73 do 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, sendo a acusação contra Gomes da Rocha de homicídio voluntário e ofensas corporais voluntárias;
2.3. Este processo seria, evidentemente, mandado arquivar pelo Governador Militar de Lisboa em 25 de outubro de 1973.

3. Investigação criminal
3.1. A Polícia Judiciária de Lisboa instaurou o processo n.º 1515/73 - 4.ª Secção, figurando como denunciantes a DGS e os agentes João Batista Cabral da Costa e António Joaquim Gomes da Rocha e, como arguido, José Alberto Reis Lamego;
3.2. A PIDE/DGS remeteu para esse processo cópias do auto de corpo de delito que organizara e, por seu lado, a PJ ouviu em declarações diversos intervenientes nos acontecimento de 12 de outubro de 1972;
3.3. Em 11 de janeiro de 1974, o processo n.º 1515/73 (Polícia Correccional) foi remetido aos Juízes de Instrução Criminal de Lisboa;
3.4.1. Esse processo não foi localizado nos fundos custodiados pela Secretaria-Geral do Ministério da Justiça;
3.4.2. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo esse mesmo processo não se encontra na caixa onde deveria estar (por transferência da Polícia Judiciária);
3.5. Mas o certo é que esse processo, embora agora em parte incerta, foi amnistiado pelo Decreto-Lei 173/74, de 26 de Abril:
Tendo a Junta de Salvação Nacional assumido os poderes legislativos que competem ao Governo, decreta, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. São amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma natureza.

4. Inquérito do Ministério da Educação Nacional (MEN)
4.1. Por despacho do Secretário de Estado da Instrução e Cultura de 28-10-1972 foi nomeado o Auditor Jurídico do Ministério da Educação para proceder a inquérito aos factos ocorridos no ISCEF a 12 de outubro, "que terão ocasionado a morte de um estudante";
4.2. Entretanto, a 20 de outubro, o diretor do ISCEF denuncia outros "incidentes" ocorridos no dia 17, referentes ao boicote verificado aos exames de aptidão - pretendendo o ministério incluir este assunto no inquérito ordenado sobre a morte de Ribeiro Santos;
4.3. Conhecedor do assunto, é o próprio ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, que emite em 03-01-1973 um despacho em que determina que esse inquérito deve abranger apenas "as responsabilidades disciplinares de professores, funcionários e estudantes”, acrescentando que “podem constituir também matéria de infração disciplinar” o que se passou no ISCEF (“ali se consentiu em actividades sediciosas e foi tolerado o sequestro ou cárcere privado”);
4.4. Em maio de 1973, é o diretor do ISCEF que comunica telefonicamente que considera inconveniente o prosseguimento do inquérito nessa época do ano - sendo suspenso o inquérito, para que prossiga apenas durante o mês de agosto;
4.5. Suspenso o inquérito do MEN, será a PIDE/DGS a remeter para ali muitos dos materiais que reunira no auto de corpo de delito entretanto enviado ao tribunal militar;
4.6. Não se conhece grande atividade instrutória por parte do ministério da Educação, salvo a audição do diretor e do secretário do ISCEF e a receção, a 13 de março de 1974, de cópia dos documentos emanados dos juízos de instrução criminal de Lisboa e da Polícia Judiciária;
4.7. Nestes termos, o instrutor não parece seguro da atitude a tomar e o Secretário de Estado da Instrução e Cultura, Augusto Ataíde (que mais tarde, usou Augusto de Athayde) despachou: "Aguarde-se a decisão do Tribunal quanto ao Lamego. Arquive-se quanto aos restantes" – e tanto o instrutor do inquérito, como o Secretário de Estado assinaram no dia 16 de abril de 1974!
4.8. E, no entanto, a despeito da lei de amnistia decretada em 26 de abril de 1974, só em 22 de maio de 1974 é que a direção-geral do Ensino Superior comunicou ao reitor da Universidade Técnica  que "foi mandado arquivar o processo disciplinar instaurado ao aluno de Instituto Superior de Economia, José Alberto Rebelo dos Reis Lamego", solicitando que "se digne dar conhecimento do despacho ao interessado". A assinatura continua encabeçada por A bem da Nação...

5. Processo contra os corpos gerentes da Secção Regional de Lisboa da Ordem dos Médicos

5.1. Acusados de terem aprovado e feito distribuir o comunicado "Foi morto um estudante", denunciando a "escalada cada vez mais violenta da repressão", foram objeto de um processo, iniciado em 13-11-1972, por "crimes contra a segurança do Estado";
5.2. A partir de 20 de novembro, a PIDE/DGS chamou e interroga os dirigentes da Secção Regional de Lisboa da Ordem dos Médicos - nenhum denunciou os seus colegas e todos disseram apoiar o teor desse comunicado, recusando-se muitos a responder sequer às perguntas dos pides;
5.3. A polícia realizou buscas no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana e na própria Ordem dos Médicos, conseguindo encontrar o original manuscrito do comunicado - em 12-02-1973, a PIDE/DGS remeteu o processo para o Tribunal Criminal de Lisboa, acusando Isabel do Carmo e Rui de Oliveira de , "como se admite", terem redigido o "mencionado impresso";
5.4. A 16 de março de 1973, o adjunto do Procurador da República no Tribunal Plenário, Carlos Costa Saraiva, apressa-se a emitir mandados de captura referentes aos arguidos Rui Fernando Proença de Oliveira e Maria Isabel Augusto Cortês do Carmo, "a fim de serem devidamente cumpridos";
5.5. Isabel do Carmo seria detida mas saíu mediante caução, "desaparecendo" logo de seguida. Rui de Oliveira não chegou a ser preso pois entretanto também "desaparecera" e ... só faltava um ano para abril de 1974;
5.6. Ainda assim, o governo consumou um dos seus objetivos e demitiu a Direcção do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, nomeando um "Curador" em sua substituição.

De nada lhes serviu tudo isso. A memória e o exemplo de José António Ribeiro Santos permanecem muito para além deles.

destaques

Direcção-Geral de Segurança
Reorganização da Direção-Geral de Segurança (a PIDE mudou de nome para DGS)
Remodelação governamental
Remodelação do governo de Caetano: entra Cotta Dias para as pastas da Economia e das Finanças, substituindo Dias Rosas.
O "clima de paixão" visto pelo IST
O Conselho Escolar do IST aprovou um documento "para evitar que o "clima de paixão" induzido pelo incidente ocorrido no ISCEF no passado dis 12 possa perturbar brusca e irreversivelmente as condições normais de funcionamento que se estão verificando no IST"