O Teatro do Vestido apresenta no Museu do Aljube, nos dias 19 e 21 de outubro, a sua criação "Naquele dia não passou na televisão", evocando o assassinato de Ribeiro Santos e as suas repercussões.
O projecto estará também em cena na Quinta do Alegre (Freguesia de Santa Clara - Lisboa) entre os dia 26 e 29 de Outubro, permitindo assim que um número maior de pessoas tenha acesso a este espectáculo.
NAQUELE DIA, NÃO PASSOU NA TELEVISÃO
Este espectáculo evoca a memória e a história do estudante José António Ribeiro Santos, assassinado por um agente da PIDE-DGS numa reunião no ISCEF (Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, hoje ISEG), em Lisboa. Era um “meeting” (como os estudantes chamavam a estas reuniões) – um “meeting contra a repressão” - na qual se discutia a intensificação da repressão aos estudantes e às suas associações por parte do regime. Também se discutia o imperialismo e o colonialismo, tendo por mote a Guerra do Vietnam (uma forma de discutir a guerra colonial que Portugal travava nas suas colónias africanas desde 1961).
Os estudantes apercebem-se de que há um “bufo” (informador da PIDE) infiltrado na reunião e é feito um telefonema para a PIDE-DGS, para que o viessem identificar. Má ideia.
Ribeiro Santos foi alvejado por um desses PIDES e acabaria por morrer à chegada ao Hospital Santa Maria. Este trágico acontecimento marcou a vida de muitos e muitas que o viveram ou que testemunharam as suas repercussões, nomeadamente o funeral de Ribeiro Santos no dia 14 de Outubro de 1972, com a presença de milhares de pessoas, e que se tornou num momento de afrontamento ao regime, de protesto e de resistência.
Em Naquele dia, não passou na televisão o Teatro do Vestido parte de testemunhos e documentos para relatar a forma como a morte deste jovem foi divulgada, quer pelos seus amigos, apoiantes e companheiros de luta, quer pelo regime, que tudo fez para disfarçar o seu assassinato como um “acidente”, fruto de desacatos com os estudantes, em “tiros disparados para o ar.” Não por acaso, 2 anos depois, à porta da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974 os mesmos “tiros disparados para o ar” serviriam como alibi para os agentes da PIDE que dispararam sobre a multidão matando 4 pessoas. Era um modus operandi.
Mas por ora, no dia 12 de Outubro de 1972, os estudantes que participavam daquele “meeting” estavam longe de imaginar essa revolução futura, como também não imaginavam a troca de tiros que resultaria nesta trágica morte.
Num panfleto escrito logo após este assassinato e distribuído nos dias 13 e 14 de Outubro de 1972, lê-se “Abaixo o Terror Fascista. O Estudante Ribeiro Santos foi Assassinado.” Em torno da morte de Ribeiro Santos, a resistência estudantil cerrou fileiras, e este jovem de 26 anos tornou-se num símbolo da luta contra o aspecto mais repressivo de um regime que durava há demasiado tempo.
Escrevia Ribeiro Santos numa carta a um amigo, em Julho de 1972, “Porém, todas as notícias que eu gostaria de te fornecer condensam-se numa só, que se pode sintetizar em poucas palavras: cresce rapidamente o descontentamento popular, e, com ele, a repressão”. E alguém sublinhou a parte: “cresce rapidamente o descontentamento popular.” Como um mantra para uma revolução sonhada.
Investigação, Texto, Direcção Joana Craveiro Co-criação e Interpretação Estêvão Antunes, Francisco Madureira, Inês Rosado, Tânia Guerreiro, Tozé Cunha Música e Espaço Sonoro Francisco Madureira Cenografia Carla Martínez Desenho de luz Joana Craveiro, com a colaboração de João Cachulo Direcção de Produção Alaíde Costa Co-produção Museu do Aljube - Resistência e Liberdade, Teatro das Figuras e Teatro do Vestido.
notas biográficas
O Teatro do Vestido é um colectivo teatral fundado em 2001 e cuja primeira peça, Tua, se estreou na Galeria Zé dos Bois. Tem na sua génese a escrita de textos dramáticos originais, a procura de espaços de apresentação alternativos, a observação da realidade, a investigação etnográfica e a história oral, como principais metodologias de trabalho. A companhia procura constantemente novas formas de fazer um teatro autobiográfico, político, engajado e poético, através de processos colaborativos, com direcção artística de Joana Craveiro. As dimensões ética, social e pedagógica são constituintes da companhia desde a sua formação em 2001, e têm tido expressão nos múltiplos projectos desenvolvidos ao longo dos seus 20 anos de actividade. A companhia trabalha desde sempre a temática da memória e a sua relação com a sociedade e com a vida de cada um, fazendo do seu teatro um misto de autobiografia e profunda reflexão sobre a realidade envolvente. A companhia tem vindo a tentar re-significar a prática de um teatro político e documental hoje. A poética das cidades, dos espaços devolutos, dos espaços de passagem e em transformação; a observação atenta e engajada do quotidiano; o trabalho de campo, a recolha de memórias e histórias de vida; a memória histórica, e a criação de comunidades várias, à passagem da companhia – todos estes aspectos são a marca metodológica e artística do trabalho do Teatro do Vestido. Reconhecendo-o, a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro descreveu em 2012 o Teatro do Vestido como tendo, “uma actividade aberta a todas as formas de arte, atenta a todos os cidadãos e curiosa de tudo o que se passa no mundo em que as pessoas vivem”.
Joana Craveiro é dramaturga, encenadora, actriz, professora e antropóloga. É directora artística do Teatro Vestido, onde escreveu e dirigiu mais de 40 obras. É coordenadora da Licenciatura em Teatro da Escola Superior de Artes e Design, Caldas da Rainha, onde desenvolve uma pedagogia criativa e combativa que ajuda a pensar um mundo livre de totalitarismo, xenofobia, misoginia e de racismo estrutural. É doutorada pela Roehampton University, Londres, com uma tese sobre a transmissão da memória política da Revolução Portuguesa de 1974-75 e a Ditadura de 1926-74 através da performance e do teatro. A sua pesquisa e os seus projectos de história oral são apresentados como palestras performativas em conferências nacionais e internacionais desde 2012. Tem o Mestrado em Encenação pela Royal Scottish Academy of Music and Drama. É licenciada em Antropologia pela Universidade Nova/FCSH, e tem o Curso de Formação de Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema. Os seus métodos criativos assentam grandemente em práticas etnográficas e na história oral. A partir de 2011, Joana Craveiro começou a utilizar de forma consistente a história oral como metodologia primordial do seu trabalho de investigação e criação, tendo estudado essa disciplina em cursos ministrados pela Oral History Society, na British Library, bem como em diversos workshops, masterclasses, conferências e cursos vários, com Alessandro Portelli, Martha Norkunas, Paula Godinho, Miguel Cardina, Rui Bebiano, Indira Chowdhury, entre outros. Contribuiu para a obra Memory, Subjectivities, and Representation: Approaches to Oral History in Latin America, Portugal, and Spain (ed. Rina Benmayor et.al.) que recebeu em 2016 o prémio da Oral History Association (OHA). Joana Craveiro é também investigadora associada do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC/Nova). Aprofundou os seus processos colaborativos com os Goat Island e os Every House has a Door, na School of the Art Institute of Chicago, em 2008 e 2009. Aprendeu sobre o devising – que já fazia, mas a que não dava esse nome – com Alexander Kelly, dos Third Angel, no Programa Gulbenkian de Criatividade e Criação Artística. Foi também aí que consolidou o seu trabalho autobiográfico.
Em 2019, Joana Craveiro foi nomeada por Elas também estiveram lá, para o Prémio SPA/ Melhor Texto Português Representado. Editou em 2019 Margem, texto que escreveu para o espectáculo homónimo de Victor Hugo Pontes (Prémio SPA/ Melhor Coreografia, 2018). O espectáculo Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, considerado uma obra marcante da criação portuguesa contemporânea, recebeu o Prémio do Público do Festival de Teatro de Almada, em 2015, tendo sido nomeado pela SPA para o prémio de Melhor Espectáculo no mesmo ano. Esta criação é hoje estudada por investigadores em teses de mestrado e doutoramento, como uma obra fundamental para compreender um olhar de pós-memória sobre a ditadura e a revolução portuguesas e as formas de transmissão dessa memória. Joana Craveiro é membro da rede de dramaturgos europeus, Fabula Mundi http://www.fabulamundi.eu/en/joana-craveiro/. Em 2021, Joana Craveiro dirigiu o seu primeiro filme Elas também estiveram lá, Prémio Especial do Júri, Festival Olhares do Mediterrâneo, 2021.
É actualmente bolseira Fulbright nos EUA, onde está a desenvolver a sua investigação no Clement A. Price Institute on Ethnicity, Culture, and the Modern Experience, da Rutgers University, trabalhando directamente com o Jack (John Kuo Wei) Tchen, autor, entre outros, de Yellow Peril!