No início de julho de 1974, o almirante Rosa Coutinho, membro da Junta de Salvação Nacional e responsável pelo Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP, nomeou, em sua substituição, o Comandante Guilherme Conceição e Silva como Presidente daquele organismo militar.
Por um lado, Rosa Coutinho iria ser em breve designado Governador de Angola, em substituição de Silvino Silvério Marques. Por outro lado, Conceição e Silva era licenciado em Direito, o que se afigurava de especial relevância para o exercício daquelas funções.
Nessas circunstâncias, realizou-se nas instalações da Junta (no Palácio da Cova da Moura) uma reunião para definir as principais orientações da designada Comissão de Extinção e, em especial, identificar os processos entendidos como prioritários, sendo, desde logo, acordados os seguintes:
• Assassinato pela PIDE/DGS do escultor José Dias Coelho, 19-12-1961;
• Assassinato pela PIDE/DGS do general Humberto Delgado e Arajaryr Moreira Campos, 13-02-1965;
• Assassinato pela PIDE/DGS do estudante José António Ribeiro Santos, 12-10-1972.
Em relação aos dois primeiros, existia nos arquivos da extinta PIDE/DGS documentação suficiente para a instrução dos respetivos processos-crime – o que permitiu dar-lhes andamento rápido.
No que respeitava à morte de Ribeiro Santos, foi de imediato contactado o advogado Joaquim Mestre que representou o pai de Ribeiro Santos junto do 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, tendo o almirante Rosa Coutinho dirigido ao presidente desse tribunal, com data de 2 de julho de 1974, a requisição daquele processo "a fim de que se continue a respetiva instrução".
Com data de 4 de julho, aparece naquele processo um manuscrito do Presidente do 2.º Tribunal Militar Territorial, coronel A. Ferreira, do seguinte teor: “Telefonei ao Exmo. Comandante (da Marinha de Guerra) Conceição e Silva informando que o encaminhamento legal do assunto terá de ser feito através do Exmo. Gen. G.M.L. [General Governador Militar de Lisboa] que ordenará ao Exmo. Promotor deste 2.º TMT a entrega do processo à Com. Coorden. da Extinção da DGS e LP” (vale a pena anotar o tom do referido coronel, que desse modo pretende instruir Conceição e Silva, que era licenciado em direito, sobre o “encaminhamento legal do assunto”).
O certo é que o Governo Militar de Lisboa enviou, em 11 de julho de 1974, o processo à Junta de Salvação Nacional, a coberto da nota confidencial n.º 7516/5.
Aí começa um verdadeiro enigma, similar a muitos outros que povoaram as reviravoltas daquela Comissão de Extinção: o processo requisitado nunca esteve disponibilizado para o fim a que se destinava - apesar de sucessivamente solicitado - e, por isso, não se conhece nenhuma decisão sobre a sua pretendida revisão.
E, no entanto, com data de 6 de julho de 1976, dois anos depois, um aspirante a Oficial Miliciano desempenhando funções de Polícia Judiciária Militar no Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP dirigiu-se ao 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa solicitando a remessa, a título devolutivo, do auto de corpo de delito em que era arguido o ex-agente de 2.ª classe da extinta PIDE/DGS António Joaquim Gomes da Rocha, referindo ainda o pedido de “autorização de o mesmo ser fotocopiado”. Ou seja, passados dois anos, pediu o mesmo processo…
Dez dias depois, o Promotor de Justiça do Tribunal Militar, Pedro Alves Cabral, referindo o ofício de Rosa Coutinho de 1974, informa que o 2.º TMT remetera o processo ao QG da RML, “no sentido de uma melhor colaboração na satisfação do pedido da JSN” e que, por sua vez, “o QG/RML enviou o referido proc. à JSN a coberto da nota confidencial n.º 7516/5 de 11JUL74” – pelo que o pedido do of. PJM de 06-07-1976 “parece desfazado com o actual paradeiro do aludido processo”, solicitando esclarecimento.
O desfecho conhecido de toda esta trapalhada consiste na devolução do processo ao 2.º TMT pela Comissão de Extinção (cap. Manuel Fernades Tomaz), em 18-11-1976, “por ser já desnecessário neste serviço.”
Apesar da pronta intervenção de Rosa Coutinho, na sequência das reuniões com Conceição e Silva e dos contactos com Joaquim Mestre, a verdade é que não se conhece qualquer ato processual que possa ter sido cumprido após 25 de abril de 1974 em relação ao auto de corpo de delito pelo homicídio de José António Ribeiro Santos.