Quando o pide disparou, nós estávamos lá, ao pé. Não por acaso, foi nele que acertou para matar, o assassino.
Prefiro recordar José António Ribeiro Santos em vida, porque a morte foi tão certeira que nos passou ao lado.
Prefiro recordar uma vida feita de vida, a ironia, a cordialidade, a audácia serena e a indignação explosiva, aquela eleição por voto secreto em que obteve a unanimidade dos estudantes do 4 0 ano, recém-vindo de uma expulsão académica e depois processado por um Conselho Escolar em que os mais "liberais" se deram ao luxo de ir testemunhar à Boa Hora, contra nós, no processo "José António Ribeiro Santos e outros".
Orgulho-me de ter sido um dos "outros".
Ainda tenho nos ouvidos a gargalhada do José António Ribeiro Santos, a ler a incriminação, a acusar-me de ser o "outro", na chacota, perante uma escola em que ele estava a mais, fartinho de saber que aquela Faculdade de Direito de Lisboa é que não fazia falta nenhuma, como o regime que a sustentava e lhe cometia a excelsa função de produzir bacocos em série.
Corajoso, inteligente, modesto e jovial, estava a mais naquele tempo, naquele tempo, neste País.
Ainda hoje, quando sigo as facécias emproadas de sacristas avulsos, sinto muitas saudades do Zé Tó. Tento imaginar o comentário certeiro e irónico que ele faria, numa sisuda reunião de clandestinos ou à mesa da cantina velha.
Até gostava que houvesse outro mundo de onde, à varanda, ele se estivesse a rir da minha proposta de um monumento.
"Desculpa lá, mas dos que te perseguiram e te mataram, não restará memória", argumento eu.
E estou a vê-lo, rezingão, a mandar-me emagrecer e ser livre.
Reorganização da Direção-Geral de Segurança (a PIDE mudou de nome para DGS)
João Manuel Morais Isidro (1950-2008)
Dirigente estudantil (Faculdade de Direito de Lisboa). Preso pela PIDE/DGS em 1968.
Jornalista. Presidente do Sindicato dos Jornalistas (1998-2000).
Publicou Proscritos à Sobremesa, 1997.