Júlio Pêgo

Médico psiquiatra.

Era um dia chuvoso, outonal, nesse 12 de Outubro de 1972, em que estava anunciado para Económicas (ISCEF) um "Meeting Contra a Repressão". (...)
Cedo, deram conta de um intruso a tomar notas dos cartazes e a vigiar o local. (...) Depois de várias tentativas de identificação, o Presidente da Associação de Económicas, Aranda da Silva, em colaboração com o Secretário da Faculdade, telefonaram à PIDE para virem identificar o intruso. 
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Um dos Pides sacou de uma pistola e desferiu um tiro à queima-roupa no quartanista de Direito, José António Ribeiro dos Santos, que caiu logo no chão. (...) Como finalista de Medicina, dei logo conta que a vítima mais grave era o Ribeiro Santos, necessitando de cuidados especiais. Propus de imediato transportar a outra vítima, José Lamego, ao Hospital de Santa Maria, ajudado pelo Melo.
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Já no Hospital, assisti à entrada de Ribeiro Santos (entretanto transportado por um Assistente do ISCEF), que foi de imediato observado pelo Chefe de Equipa, Dr. Mário Silva, e outros médicos.
Ribeiro Santos ainda relatou que fora atingido "pelos esbirros da Pide". Na Sala de Observações, despido, os médicos não tiveram tempo de detectar a porta de entrada da bala, deparando-se com o corpo da vítima, muito branco; a cena demorou entre um e dois minutos. Ribeiro Santos perdeu os sentidos, tendo-se seguido impressionantes convulsões, morrendo aí mesmo, apesar dos esforços posteriores de reanimação.
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Foi por um telefonema, no próprio Hospital de Santa Maria, que, após saber o número de telefone do seu pai, médico Dr. Ribeiro dos Santos, lhe disse rapidamente: "O seu filho foi assassinado pela Pide", sem esclarecer mais, tendo desligado imediatamente; pois o medo de se ser preso, em que se vivia na época, com telefones vigiados não o aconselhava.
Como nota final, devo dizer que conheci bem o Ribeiro Santos, de quem me considerava amigo. Como ele, também era militante da Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas, órgão estudantil do MRPP (embora, à data de 12 de Outubro, não soubesse que ambos pertencíamos à FEML; só tendo vindo a saber disso posteriormente à sua morte). 
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Participei com Ribeiro Santos em várias lutas estudantis, quer na Cantina Universitária, quer em manifestações contra a guerra colonial.
Ribeiro Santos tinha uma grande energia anímica, apesar de ser franzino; era dotado de um humor contagiante; era um verdadeiro combatente na luta pela liberdade, pelas liberdade de expressão, de reunião e de associação que, na época, era negadas ao povo português.
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Na época, eu e os estudantes que Ribeiro Santos controlava vivíamos numa casa arrendada, na Rua de São Domingos de Benfica, n. 2 5, 1. 2 Direito. Esta casa era uma espécie de "República", onde servia também de "hospital", para tratamento e sutura das feridas causadas às vítimas da repressão policial fascista, evitando a sua identificação e a prisão.

Jílio Pêgo
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destaques

Direcção-Geral de Segurança
Reorganização da Direção-Geral de Segurança (a PIDE mudou de nome para DGS)
Remodelação governamental
Remodelação do governo de Caetano: entra Cotta Dias para as pastas da Economia e das Finanças, substituindo Dias Rosas.
O "clima de paixão" visto pelo IST
O Conselho Escolar do IST aprovou um documento "para evitar que o "clima de paixão" induzido pelo incidente ocorrido no ISCEF no passado dis 12 possa perturbar brusca e irreversivelmente as condições normais de funcionamento que se estão verificando no IST"